top of page
Buscar

Fidelidade e crítica em “Lições de Filosofia Clínica”

Atualizado: 10 de jul.


Em dezembro de 2024, Miguel Angelo Caruzo lança seu segundo livro, “Lições de Filosofia Clínica", publicado pela editora Sulina, com prefácio de Dionéia Gaiardo e orelha de apresentação do livro escrita por Paulo Alves Filho. Todos filósofos clínicos que pesquisam, escrevem, atendem e fazem parte do Conselho Editorial da Revista da Casa da Filosofia Clínica. 


Com 142 páginas, as 50 lições de Filosofia Clínica versam sobre temas variados, pautados pelo olhar clínico e crítico do autor e por seu compromisso em pensar e difundir a Filosofia Clínica original, ou seja, protegendo o fundamento da singularidade e as etapas da metodologia, sem, no entanto, cristalizar ideias ou a prática de consultório. É o que chamo de fidelidade e crítica em “Lições de Filosofia Clínica”. Após as lições, o autor insere um breve glossário e um quadro do conteúdo base da Filosofia Clínica, a fim de facilitar a familiaridade do leitor com a estrutura, linguagem e significados do novo paradigma. 


Além de oferecer um conteúdo de estudos e atualização sobre o método, o livro estimula o leitor a percorrer um espaço reflexivo, pois nossas referências pessoais vão preenchendo vírgulas e vazios deixados pelo autor quando emite suas conclusões ou reflexões sobre determinados temas como a matemática simbólica ou quando faz alertas sobre induções que diagnósticos podem causar e sobre a ideia de alteridade que vem sendo trabalhada por alguns colegas ao invés da recíproca de inversão. Alertas importantes, pois alguns equívocos podem nos fazer percorrer um caminho contrário, limitando a compreensão do singular em clínica.


Assim, o livro nos faz pensar para além daquilo que o autor diz. Uma movimentação e um exercício filosófico importantes para nosso papel existencial. Engessamento de conceitos ou generalizações feitas “à priori” podem colocar nosso trabalho em risco e resultar em classificações ou normatividades onde nosso olhar deveria voltar-se ao fenômeno da singularidade.


Se em seu primeiro livro “Introdução à Filosofia Clínica” (lançado em 2021 pela editora Vozes) Miguel nos ensinou sobre o método e seus fundamentos, de modo didático e pedagógico, neste segundo, o autor avança para ensinar o leitor a exercitar-se dentro do método, pensando, cogitando e vislumbrando perspectivas que se tornam nossas, a partir das suas. Um estímulo filosófico.


Concordar ou discordar fazem parte do roteiro de leitura, porém, nesse caso, tão importante quanto isso ou mais, talvez seja ouvir o que nos diz aquele que está exercendo a Filosofia Clínica em seus diversos modos: escrevendo, atendendo, atuando como professor e supervisor de estágio, pesquisando sobre a área. Para isso, cultivar uma mente aprendiz pode colaborar como chave de leitura, especialmente em nosso paradigma, que atua na contracultura das terapias tradicionais tipológicas.


Aliás, já no início do livro, Miguel fala sobre o novo paradigma, explicando que o olhar de Lúcio Packter estava mais interessado em como os filósofos pensavam, como funcionavam suas estruturas de pensamento, do que em suas ideias e conteúdos propriamente ditos, assim sabemos que em Filosofia Clínica iremos percorrer os caminhos do pensamento de cada singularidade que nos visita, revelando uma representação de mundo irrepetível.


Os temas apresentados debatem sobre normalidade, diagnósticos, espanto filosófico, autonomia, incertezas e planejamento clínico, desafios da epoché, rigor clínico, historicidades, visão de mundo, idioma do partilhante, matemática simbólica, importância da filosofia, loucura, formação do terapeuta, constante evolução do método, preservação das bases originais, entre outros. 


Em “Compreensão e interpretação”, por exemplo, Miguel fala do tipo de leitura que fazemos na filosofia, buscando uma interpretação dos textos lidos e como em Filosofia Clínica a atenção está focada na compreensão dos textos vivos, pessoas e suas histórias de vida. Na lição “Especialista em inéditos”, o autor explica porque apresentar-se como filósofo clínico especialista no atendimento a um determinado segmento de pessoas, pode tornar-se contraditório ao método.


Caruzo traz pensadores como Foucault, Platão, Sócrates, Protágoras, Ockham, Marx e Engels, Schopenhauer, Nietzsche e os brasileiros Mário Ferreira dos Santos e Machado de Assis, todos entrelaçados nas reflexões de alguns textos, ajudando a afirmar, apresentar ou questionar determinadas ideias. 


É interessante a leitura integral da obra, mas para os curiosos, Miguel tece críticas mais diretas aos atuais rumos dos estudos do criador do método, Lúcio Packter, nas lições 28, 36, 37 e 41. Assim como, destaca nas lições 31 e 50, a relevância dos estudos e publicações do filósofo clínico Hélio Strassburger que, a partir de seus atendimentos em hospitais psiquiátricos, buscou a compreensão dos fenômenos existenciais das lógicas dos excessos e lógicas do improvável, contribuindo com a expansão do método ao acolher essas expressividades internadas e marginalizadas.


É um livro que ensina, mostra a necessidade de lermos mais o que nos dizem os filósofos clínicos, de pensarmos sobre o método a partir da prática clínica, e de nos aperfeiçoarmos com autores da filosofia e da literatura, afinal, o papel existencial cuidador requer constante aprendizado.


Dionéia Gaiardo


Referência:

CARUZO, Miguel Angelo. Lições de Filosofia Clínica. Porto Alegre, RS: Sulina, 2024.


Texto publicado na Revista da Casa da Filosofia Clínica.

Edição 12, outono de 2025.


* As expressões em itálico que aparecem no texto referem-se a linguagem específica do método em Filosofia Clínica. Para conferir o sentido e significado delas, acessar o link do Dicionário de Filosofia Clínica: https://casadafilosofiaclinica.blogspot.com/2024/03/revista-da-casa-da-filosofia-clinica-outono-2024-dicionario.html.






 
 
 

Comentários


bottom of page