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Um olhar para a singularidade

Atualizado: 11 de jul.

Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida insinua-se de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza”, como ensina Strassburger (2007, p. 19). Assim podemos pensar sobre os enigmas de nossa própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento”, quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leves das bagagens impostas.


Há quem busque comparações e generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado, escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas vezes camuflados em discursos sobre valorizar a diversidade ou afirmações como “devemos ser diferentes”. Não devemos ser diferentes, já o somos e sempre seremos. Por mais que possamos compartilhar, ainda assim, as circunstâncias e significações são únicas.


Se não nos damos conta disso, o risco é nos tornarmos reféns da produção do igual imposta pelos padrões de normatividade que geram também a necessidade de sermos diferentes. E “essa vida” que nos joga de um lado a outro, que nos suprime em padrões convencionados/impostos é a mesma que nos obriga a sermos diferentes para que possamos, enfim, sermos reconhecidos. Antes ser um desconhecido na multidão, mas que conhece, ao menos um pouco, a si mesmo. Antes perceber que a produção do igual e do diferente está a serviço de mercados extremamente lucrativos. O mercado humano, da mente humana, do corpo humano...


Nesse sentido, a Filosofia Clínica evidencia que “As coisas podem adquirir propriedades diversas no vislumbre das singularidades”, como afirma Strassburger (2012, p. 55). Assim, a carência, o que nos falta me parece que é justamente o exercício da singularidade. O olhar extraordinário, surpreso, suspenso, desacomodado, incerto, investigativo, descontente, absurdo, instigante, mágico, ingênuo, a admiração como diria Gerd Bornheim: “Na admiração, verifica-se um simpatizar, no sentido etimológico da palavra, um sentir unido ao real como uma presença (...) longe de impor-lhe o que quer que seja, o deixa ser em toda a sua dimensão, como plenitude de presença.”


Dionéia Gaiardo

Filósofa Clínica


Referências:

BORNHEIM, Gerd A. Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. 9. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 39.

STRASSBURGER, Hélio. Pérolas imperfeitas: apontamentos sobre as lógicas do improvável. Porto Alegre: Sulina, 2012. p.55.

STRASSBURGER, Hélio. Filosofia Clínica: poéticas da singularidade. Rio de Janeiro: E-papers, 2007. p.19.


Texto publicado na Revista da Casa da Filosofia Clínica

Edição 00, Piloto, outono de 2022.


* As expressões em itálico que aparecem no texto referem-se a linguagem específica do método em Filosofia Clínica. Para conferir o sentido e significado delas, acessar o link do Dicionário de Filosofia Clínica: https://casadafilosofiaclinica.blogspot.com/2024/03/revista-da-casa-da-filosofia-clinica-outono-2024-dicionario.html.





 
 
 

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